Em 1947, logo após a Segunda Guerra Mundial, o general do exército dos EUA e historiador S.L.A. Marshall fez um levantamento: 85% dos homens de infantaria do país, os primeiros na linha de avanço em território hostil, não dispararam seus rifles em combate, mesmo sob ataque. Os números da pesquisa de Marshall são questionados por muitos, mas ela toca num ponto que foi comprovado também entre tropas alemãs e japonesas no conflito: cara a cara com o inimigo, a decisão de atirar é mais difícil de ser tomada do que quando o alvo está à distância.(Por isso investem em drones, guerra eletrônica e robotizada)
Não por acaso, snipers eram uma espécie de subraça até a II Guerra; se capturados, os atiradores de elite inclusive sofriam maus-tratos que outros prisioneiros não recebiam. É como se o ofício do sniper fosse não só desleal como desumano em relação a um soldado "normal". Obviamente, com o tempo - e especialmente com as novas tecnologias de combate - tudo mudou. A partir do Vietnã o exército dos EUA começou a incentivar no front o que chamava de quick kill - instruir soldados a descarregar rajadas de fuzil ao invés de mirar meticulosamente no inimigo, o que diminui a chance de "perceber" a pessoa do lado oposto.
A partir das guerras no Iraque, mísseis como o Scud e o Tomahawk viraram astros; snipers, semi-deuses. Mas embora gastem bilhões para fazer a guerra por controle remoto, os EUA ainda não conseguiram eliminar completamente o enfrentamento corpo a corpo. É dessa angústia que trata o documentário Restrepo, indicado ao Oscar: como homens treinados para fazer a guerra à distância lidam com a súbita presença do outro?
No Vale Korengal, no Afeganistão, a presença é incontornável. O posto do exército fica num dos pontos mais baixos do vale, o que o transforma num estande de tiro para os talibãs que se escondem morro acima. O próprio exército reconhece que é o cenário mais letal em que se encontrava, na época em que o jornalista dos EUA Sebastian Junger e o fotojornalista britânico Tim Hetherington, os diretores do filme, visitaram o Korengal para passar um ano ao lado dos combatentes, em 2009.
Junger e Hetherington instalam câmeras nos capacetes dos soldados e se enfiam pessoalmente no meio do fogo cruzado para registrar a rotina barulhenta do vale. São muitos quilos de cápsula de fuzil, muitos aborrecimentos (como o afegão que quer ser recompensado porque sua vaca, presa num arame farpado, foi sacrificada pelos estrangeiros) e algumas baixas. Uma delas é Juan Sebastián Restrepo, soldado morto em combate cujo nome foi usado para batizar o ponto que o exército conquistou morro acima, uma das poucas glórias da tour americana pelo Korengal.
Do posto avançado Restrepo, assistimos à tal "guerra à distância". Um spotter tenta localizar os talibãs entre as árvores, enquanto do seu lado a metralhadora parece atirar a esmo. A câmera só consegue enxergar mato. Num dos momentos mais interessantes do filme, enquanto arruma a posição da metralhadora no Restrepo, um soldado conversa por rádio com outro, que está na base original. Um pergunta da família, da cidade de onde o outro veio. É uma interação diferente de quando estão cara a cara, quando a conversa séria dá lugar às brincadeiras de moleque.
Se mesmo entre os pares há diferenças no contato pessoal ou remoto, é diante dos afegãos que os ruídos na comunicação são mais dramáticos. Encontros semanais com os anciãos do vale, em que o chefe do exército tenta explicar a operação, só acentuam mais as diferenças culturais. É regra nos documentários de guerra atuais deixar clara essa diferença, mas em Restrepo, por sua geografia que aproxima os dois lados, ela é central. A proximidade geográfica, paradoxalmente, só salienta o distanciamento entre os locais e os invasores.
Tudo no filme serve para construir uma tensão de opostos que desemboca no encontro final. Não estraguemos a surpresa aqui, mas vale dizer que o clímax de Restrepo é exemplar na hora de mostrar como os EUA, em sua gradual automatização da guerra, literalmente perde as palavras na hora de explicar como é encontrar o inimigo de frente.
Fonte : http://omelete.uol.com.br/cinema/restrepo-critica/#.UuRoM9JTtkg
Trailer oficial de Restrepo (2010) :
Restrepo em 9 vídeos traduzido em espanhol :
Ao que me parece, o filme pretende passar uma sutil mensagem de que os soldados dos EUA no Afeganistão ali documentados são todos paladinos da justiça, umas vítimas, uns sofridos e bondosos mocinhos que arriscam suas vidas para nos proteger de alguém que nunca nos atacou e muito menos atacou os EUA. Sem falar na diferença de heroísmo e valentia entre estes soldados reais do documentário e os que nos vendem através do cinema.
Abraços
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