The Independent, 09 de abril de 2008
Uma nova exibição de imagens coloridas descrevendo o dia-a-dia na capital francesa sob a ocupação nazista foi atacada como camuflagem histórica.
É um lindo dia ensolarado no Place de la Concorde em Paris. A cúpula de ouro do Les Invalides cintila à distância. Uma mulher bem vestida, usando um chapéu de palha espera para atravessar a rua.
A imagem poderia ter sido tirada ontem, exceto por dois ou três detalhes. A moda e a ausência de carros. E, oh sim, há um membro das hordas de ocupação nazista à paisana, que também, pacientemente, espera sua vez para atravessar a rua.
Este é, de fato, o verão de 1942, próximo do metade da ocupação nazista da capital francesa. São quase 270 fotografias - parte de uma coleção única de imagens coloridas deste tipo - tiradas em Paris durante a guerra por um fotógrafo colaboracionista francês. As imagens, a maior parte nunca vista antes em público, estão à mostra na Biblioteca histórica da Prefeitura de Paris até 1º. de julho.
As fotografias mostram, a maior parte, uma cidade incrivelmente familiar, calma, chique, feliz e amante da moda. A exibição acabou gerando descontentamento e preocupação em Paris, precisamente porque ela mostra os parisienses sendo parisienses, e levando a vida normalmente, sob o jugo nazista. Eles se sentam à mesas em cafeterias ensolaradas no Champs Elysées. Eles usam auto-confiantes óculos escuros da moda com armações brancas. Eles pescam no rio Sena. Eles vão às compras.
A Prefeitura deu um passo incomum esta semana ao editar um alerta histórico em cada bilhete de entrada para a exposição. O panfleto esclarece que o fotógrafo, André Zucca, trabalhava durante a guerra para a revista pró-nazista Signal. O panfleto diz que este trabalho "escolhe mostrar nada, ou pouco, da realidade da Ocupação e de suas terríveis conseqüências."
Há duas imagens de judeus ostentando estrelas amarelas que uma lei francesa determinou que eles as usassem em público. Há uma fotografia misteriosa da linda curva de colunata da Rue de Rivoli, parecendo como hoje, exceto pelas orgulhosas bandeiras nazistas tremulantes ao vento.
Mas, no conjunto, a exibição torna Paris sob a ocupação nazista um lugar suficientemente agradável para viver. Há poucos carros. Posters de propaganda nazista, suásticas e oficiais exibidos em uniformes alemães ocasionalmente intrometendo-se. De outra forma, as pessoas aparecem conversando alegremente nas cafeterias; crianças em patins e animais domésticos aparecem; amantes apreciam o Sena.
O assistente do prefeito de Paris para assuntos culturais, Christopher Girard, disse ontem que ele achou a exibição "embaraçosa, ambígua... e pessimamente explicada", e isto porque foi a prefeitura que imprimiu os panfletos no último momento, explicando que as fotografias de Zucca - apesar de serem um importante registro histórico - dão uma imagem deliberadamente distorcida de Paris sob a ocupação nazista.
A exibição foi mal conduzida? É tão chocante assim a maior parte dos parisiense, com relativamente poucos judeus e poucos membros ativos da Resistência, simplesmente sendo parisienses entre junho de 1940 e agosto de 1944? A noção de que a capital francesa sofreu terrivelmente sob o jugo nazista foi primeiro alardeada pelo General Charles de Gaulle em 25 de agosto de 1944, o dia que a cidade foi libertada pelos tanques americanos e franceses. Em um discurso improvisado em frente à prefeitura, com atiradores alemães e colaboracionistas ainda em atividade nos telhados, ele homenageou "Paris outragée! Paris brisée! Paris martyrisée!" (Paris violentada! Paris saqueada! Paris torturada!) Na verdade, como o historiador Jean-Pierre Azéema esclarece no livro que acompanha a exibição, Paris foi deliberadamente bem tratada com luvas de pelica pela máquina de propaganda nazista.
Em 1940, Adolf Hitler pretendeu colocar no chão a cidade, mas mudou de ideia. Seu chefe de propaganda, Joseph Goebbels, ordenou ainda em julho daquele ano que a capital francesa conquistada deveria ser encorajada a ser "animada e alegre", de modo que a vida sob os nazistas pareceria atraente para os americanos e outros povos neutros.
O filósofo Jean-Paul Sartre, em um ensaio em 1945, comentou com seus companheiros parisienses que já estavam retratando a ocupação nazista como uma miséria prolongada. "Vamos deixar de lado estas imagens simplistas," ele escreveu. "Não, é claro, os alemães não estavam vigiando as ruas a todo instante com armas em mãos..." O maior problema para a maioria dos parisienses durante a guerra, Sartre disse, foi a sensação de "má consciência" que eles não estavam fazendo nada para resistir aos invasores.
Há também um relato no livro de exibição, escrito por seu curador, do cineasta Jean Baronnet. lembrando suas próprias experiências como menino na Paris da guerra, Baronnet lembra ter visto o líder dos colaboracionistas, o regime de Vichy, Marechal Philippe Petáin, se deslocando por Paris em um Renault conversível. "Eu percebi o quão rosa era sua face e quão branco era seu bigode. Nas janelas e nas ruas, as pessoas aplaudiam e gritavam "Vive le Maréchal".
Isto aconteceu em maio de 1944, um mês antes do Dia D, e três meses antes de Paris ser libertada em cenas de imensa alegria. Tudo muito francês ou tudo muito parisiense? Não, tudo muito humano. O General de Gaulle fomentou o mito após a guerra de que todos os franceses eram ou colaboracionistas ou opositores. Na verdade, 90 % não era uma coisa e nem outra.
Zucca foi capaz de usar o filme colorido alemão Agfa, e tirar fotos livremente nas ruas, porque ele era um colaboracionista. Ele não era necessariamente um simpatizante nazista. Ele é descrito por sua família como um liberal de direita. Ele havia sido fotógrafo internacional para a revista Paris Match antes da guerra.
Após a libertação, uma tentativa foi feita para processá-lo, mas as acusações foram retiradas. Ele caiu no anonimato vendendo câmeras fotográficas em sua loja nas províncias.
Seus negativos coloridos, apagados e riscados pelo passar dos anos, foram maravilhosamente restaurados e limpos para a exibição. Eles foram convertidos para a forma digital, com 5.000 por 3.300 pixels, usando uma técnica desenvolvida (por ironia do destino) por uma empresa alemã. As cores foram ressaltadas e ajustadas para o que acredita-se ser próximo dos seus valores originais. Zucca parece ter tirado as fotografias por seu próprio interesse e divertimento. Elas não foram solicitadas, ou puplicadas, por seus empregadores nazistas.
O panfleto publicado pela prefeitura sugere que Zucca, como colaborador, deliberadamente ignorou o lado duro da vida em Paris durante a guerra. Entretanto, é mais provável que ele tenha apenas fotografado o que realmente viu.
Os mitos franceses, e a "má consciência", em relação à guerra ainda resiste. Por isso, a polêmica em torno de uma exibição que sugere que parisienses comuns levavam uma vida relativamente banal sob o domínio nazista.
Assim, a exibição deveria ser saudada por retratar um despertar, mas importante, da verdade histórica. Há uma espécie de coragem mesmo nas fotografias banais e alegres da exibição. A determinação dos parisienses em serem eles próprios, continuar suas vidas era, por si só, uma forma de resistir ao nazismo.
http://www.independent.co.uk/news/world/europe/paris-1942-la-vie-en-rose-806331.html
Fotos selecionadas da exposição:
Os nazistas foram mostrados como integrados na vida de Paris em fotos de Zucca. Alguns historiadores dizem que o seu trabalho é facilmente descartado como propaganda.
Soldados da Wehrmacht marchando por uma das grandes avenidas de paris, que ao nativos era mais comumente associados com passeios e momentos de lazer.
Oficiais superiores do exército alemão passeando por uma multidão de frances apreciando a tarde em um dos cafés ao ar livre de Paris.
Um abastado casal em uma bicicleta puxada por outro casal de parisienses. Ao que parece, a ocupação nazista não mexeu na estrutura social da França.
Lembrete de ocupação: um teatro, que tem uma águia imperial pintada em sua parede, proclama-se como cinema do soldado alemão (Deutsches Soldatenkino).
No centro da vitrine de uma loja de sapatos, uma foto do marechal Philippe Pétain, herói da 1ª Guerra Mundial que se tornou o chefe do governo de Vichy durante a ocupação nazista, é a peça central na vitrine de uma loja de sapatos.
Os parisienses vão fazendo seus negócios, andam de metrô e caminham normalmente. A maioria das imagens do Zucca mostram Paris como uma cidade animada e próspera.
Um cartaz anuncia uma exposição internacional de O Bolchevismo Contra a Europa, realizada sob os auspícios da organização Frente Nazista do Comitê de Ação Anti-bolchevique em Paris, em 1942.
Mulheres em uniformes militares olham para um memorial em comemoração aos mortos na 1ª Guerra Mundial, ocorrida pouco mais de duas décadas anteriores.
Parisienses tomando ônibus normalmente numa fria manhã sob domínio alemão.
Uma mulher idosa anda pela rua normalmente, usando a estrela amarela de Davi que os judeus eram por lei obrigadas a usar.
"Se você quer ganhar mais ... venha trabalhar na Alemanha": a França sob o regime colaboracionista de Vichy foi o único país ocupada pelos nazistas que aprovou leis para que seus cidadãos trabalhassem na Alemanha, que tinha escassez de mão de obra por causa dos combates no front soviético.
Jovens mulheres parisienses aproveitando a vida sob o domínio alemão, posando com óculos de sol num modelo moda na época para o fotógrafo André Zucca.
Fonte: http://epaubel.blogspot.com.br/2012/08/sgm-paris-1942-la-vie-en-rose.html
Outras fotos selecionados por este blog:
A série fotográfica de André Zucca está cheias de mulheres despreocupadas e elegantes vestindo belas roupas e aplicando a maquiagem, em contraste com as dificuldades comumente associados com o regime nazista, como nas duas imagens acima.
Historiadores dizem que imagens como esta de um soldado nazista andando livremente com os parisienses, foi produzida para mostrar ao mundo que a França foi feliz sob ocupação alemã. Haja figurino para colaborar com esta propaganda.
Nestas duas fotos acima de Zucca, mostram mulheres vestidas no auge da moda e cortejando jovens amantes a desfrutar do sol francês.
Um soldado alemão olha para os ursos polares letárgicos no Ménagerie du Jardin des Plantes, famoso jardim zoológico de Paris.
Um elefante chega perto dos visitantes para tirar algo da mão de um jovem que parece ser um militar alemão.
Dois jovens bem trajados ficam ao lado de sua engenhosa bicicleta com reboque para transporte de variados.
Divertimento de verão: o rio Sena se transforma num espécie de piscina, que lota com centenas de parisienses tentando a chance para se refrescar no calor do verão.
Um passeio no parque: foto de André Zucca para a revista de propaganda alemã Signal. Essas e outras imagens mostram uma Paris que está em nítido contraste com as dificuldades comumente associados com o regime nazista.
As imagens foram tiradas para mostrar ao mundo como a capital francesa estava prosperando e tranquila após a invasão nazista.
Chamas: este cartaz, onde se lê "Os assassinos sempre voltam à cena do crime", mostra Joana D'Arc ajoelhada em oração, com as mãos algemadas, enquanto que abaixo dela na cidade de Rouen queima. A cidade foi aproximadamente 45% destruída por bombardeios aliados durante a Segunda Guerra Mundial, quando era o local do quartel general da marinha alemã.
Jovem brincando com seu barco tranquilamente em Paris durante a ocupação nazista. Quando a exposição foi realizada em Paris em 2008, Bertrand Delanoë , prefeito de Paris, ordenou notas para acompanhar as imagens que indicassem que elas não evitassem a realidade trágica da ocupação. (sic)
A maioria das imagens de Zucca, como as duas acima, mostram Paris como uma cidade próspera, animada, repleta de comida, risos e jovens famílias jovens.
Homem com cestos. Zucca foi um fotojornalista de sucesso antes da guerra e seus trabalhos eram publicados em revistas de renome como a Paris Match.
Meninos sentados num muro do parque: depois de Paris cair em poder dos nazistas em 14 de junho de 1940, Zucca foi contratado para trabalhar para a regista Signal no ano seguinte, para retratar a ocupação de uma forma positiva.
Meninas e meninos brincam no que parecem serem os precursores dos patins e como pano de fundo, a Torre Eiffel no centro de Champ de Mars.
Símbolo do império: um soldado e civis ao redor do moinho perto Agulha de Cleópatra na Place de la Concorde, um dos três obeliscos tiradas do Egito e re-erigido em Paris, Londres e Nova York durante o século 19.
Uma vendedora de flores defronte sua loja num dia ensolarado e brilhante: as fotografias de Zucca são historicamente importantes, não só como um exemplo de suposta propaganda nazista, mas também por causa de sua qualidade.
Ambigüidade: após a libertação da França em 1944, Zucca foi preso, mas ele nunca foi processado e continuou a trabalhar como fotógrafo de casamento, até sua morte em 1973.
Um carro equipado para funcionar com gás natural: com cada vez mais gasolina desviada para as forças alemãs para operar seus tanques, navios e aviões, os civis foram forçados a encontrar fontes alternativas de combustível para seus veículos.
Outro carro equipado para funcionar a gás natural, com modificações no motor tornando-se quase parecido com um envenenado Wacky Racer.
Jovem família, incluindo um homem de idade de recrutamento, sentada ao sol comendo cerejas num clima descontraído.
Soldados alemães são mostrados participando da vida de Paris e são vistos em compras no mercado (à esquerda) e na corrida de cavalos, conforme as duas fotos acima.
Nas duas imagens acima, vemos ao invés de uma Paris arruinada e reprimida pela guerra, ruas movimentas e properando com lojas e restaurantes cheios.
Lazer: uma mulher bem torneada inclinando-se sobre o lado da ponte é o foco desta fotografia. Zucca foi dado acesso às últimas - e extremamente raras - filmes Agfacolor para mostrar Paris como uma cidade divertida e cheia de pessoas felizes.
Uma mulher bem vestida sai de um táxi de bicicleta.
Duas mulheres em uniformes de estilo militar compras em uma barraca de venda de brinquedos.
Parte do transporte em Paris era feito por bicicletas unidas com assentos confortáveis para passageiros como táxis e ao fundo vemos uma carrugaem puxada por cavalos.
Parisienses pegando comida em bairro de classe mais desfavorecida.
Graças ao seu estoque do filme alemão Agfacolour, Zucca foi um dos poucos fotógrafos que poderam fazer várias fotos coloridas, embora elas pareçam um pouco desbotada pela idade agora.
Parisienses transitanto pelas ruas normalmente sem sinais de ocupação alemã.
Importante registro histórico: as fotografias de Zucca ficar como um dos únicos registros coloridas de viver em Paris, no início da década de 1940.
A fotos da Zucca da vida parisiense sob domínio nazista não só mostram uma cidade cheia e feliz, mas também as lutas diárias das pessoas tentando sobreviver da melhor forma possível igual como nos tempos de paz.
A vida sob os nazistas: uma mulher caminha por uma rua secundária de Paris e logo atrás um senhor com a estrela de Davi amarela também caminhando tranquilamente.
"Eles dão o seu sangue - dê o seu trabalho para salvar a Europa do bolchevismo": era outro cartaz que incentivava o francês para viajar para a Alemanha à trabalho, aludindo à ameaça da União Soviética e do sacrifício de soldados alemães que lutavam na Frente Oriental.
As sinalizações de rua são bilíngues durante a ocupação em Paris, com os seus nomes franceses escritos em texto menor abaixo do alemão.
Oficiais da Wehrmacht conversam com uma mulher parisiense.
Uma jovem mulher verifica sua bolsa enquanto um homem senta-se caído sobre uma bengala na frente de cartazes para famoso cabaré Moulin Rouge.
Ao invés de parecerem invasores, esses dois soldados alemães descontraídos, mexem com uma câmera como turistas e parecem ter um guia no móvel próximo.
Em seu lazer cotidiano, os parisienses são mostrados pescando no rio Sena.
Mulheres francesas descontraídas no tricô ou lendo no parque num dia ensolarado.
Uma multidão rodeia curiosa uma banda itinerante a tocar música numa rua de Paris. As alegres representações de Zucca de Paris sob o domínio nazista permanecem controversos e profundamente angustiante para muitos franceses que viveram os quatro anos da ocupação.
Comerciantes retratados num dia normal de trabalho.
Ciclista francês passa ao lado de um cartaz nazista sobre uma exposição contra o bolchevismo. Anti-comunismo era uma pedra angular da ideologia nacional-socialista.
Imagem da sede de ocupação do exército alemão com os postos de guarda do lado de fora do prédio.
Desconfortável legado para muitos históriadores: as fotos de Zucca tem causado controvérsia ao longo dos anos por seu retrato do francês como colaborador com os nazistas e evitando a guerra.
As fotos de André Zucca foram compradas pela Biblioteca Histórica da cidade de Paris em 1986.
Veja também partes 1 e 2:
http://desatracado.blogspot.com.br/2014/02/dormindo-com-wehrmacht-13.html
http://desatracado.blogspot.com.br/2014/02/dormindo-com-wehrmacht-23.html
Abraços
Evidente que não deixarão de aparecer aqueles "jênios da lâmpida" dizendo: "CÊIS NUM VÊ QUE É TUDO POPRAGANDA, SEUS INGUINORANTE?!?!"
ResponderExcluirMais uma prova de que os nefastos "vencedores" da guerra estão "certos" em não permitir que um fio sequer do tecido podre que eles teceram seja retirado. Todo ele se esfacelaria em pouco tempo.
Abraço.
Um abraço ... rsrs
ExcluirPolêmica á parte, qualidade das fotos é incrível.
ResponderExcluirSim. Obrigado.
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