quinta-feira, 17 de julho de 2014

O 1º homem-bomba da Palestina

      Sansão destruindo o templo dos filisteus por Maerten Van Heemskerck (1498-1574, Netherlands)
"Sansão Destrói o Templo dos Filisteus", gravura do séc. XVI de Philips Galle. Acervo do MASP.

Juízes 16: 23-31, diz :

"23 Então os chefes dos filisteus se ajuntaram para oferecer um grande sacrifício ao seu deus Dagom, e para se regozijar; pois diziam: Nosso deus nos entregou nas mãos a Sansão, nosso inimigo. 24 semelhantemente o povo, vendo-o, louvava ao seu deus, dizendo: Nosso Deus nos entregou nas mãos o nosso inimigo, aquele que destruía a nossa terra, e multiplicava os nossos mortos. 25 E sucedeu que, alegrando-se o seu coração, disseram: Mandai vir Sansão, para que brinque diante de nós. Mandaram, pois, vir do cárcere Sansão, que brincava diante deles; e fizeram-no estar em pé entre as colunas. 26 Disse Sansão ao moço que lhe segurava a mão: Deixa-me apalpar as colunas em que se sustém a casa, para que me encoste a elas. 27 Ora, a casa estava cheia de homens e mulheres; e também ali estavam todos os chefes dos filisteus, e sobre o telhado havia cerca de três mil homens e mulheres, que estavam vendo Sansão brincar. 28 Então Sansão clamou ao Senhor, e disse: Ó Senhor Deus! lembra-te de mim, e fortalece-me agora só esta vez, ó Deus, para que duma só vez me vingue dos filisteus pelos meus dois olhos. 29 Abraçou-se, pois, Sansão com as duas colunas do meio, em que se sustinha a casa, arrimando-se numa com a mão direita, e na outra com a esquerda. 30 E bradando: Morra eu com os filisteus! inclinou-se com toda a sua força, e a casa caiu sobre os chefes e sobre todo o povo que nela havia. Assim foram mais os que matou ao morrer, do que os que matara em vida. 31 Então desceram os seus irmãos e toda a casa de seu pai e, tomando-o, o levaram e o sepultaram, entre Zorá e Estaol, no sepulcro de Manoá, seu pai. Ele havia julgado a Israel vinte anos."

Pelos textos do Velho Testamento, vemos que o israelita foi o primeiro homem-bomba da Palestina ou até do mundo.
______________________________________________________________

Das pedras de Davi aos tanques de Golias

José Saramago - Prêmio Nobel de Literatura



Afirmam algumas autoridades em questões bíblicas que o Primeiro Livro de Samuel foi escrito ou na época de Salomão ou no período imediato, em qualquer caso antes do cativeiro da Babilônia.

Outros estudiosos não menos competentes argumentam que não apenas o Primeiro, mas também o Segundo Livro de Samuel, foram redigidos depois do exílio da Babilônia, obedecendo a sua composição ao que é denominado por estrutura histórico-político-religiosa do esquema deuteronomista, isto é, sucessivamente, a aliança de Deus com o seu povo, a infidelidade do povo, o castigo de Deus, a súplica do povo, o perdão de Deus.

Se a venerável escritura vem do tempo de Salomão, poderemos dizer que sobre ela passaram, até hoje, em números redondos, uns três mil anos. Se o trabalho dos redatores foi realizado após terem regressado os judeus do exílio, então haverá que descontar daquele número uns 500.

Esta preocupação de rigor temporal tem como único propósito propor à compreensão do leitor a idéia de que a famosa lenda bíblica do combate (que não chegou a dar-se) entre o pequeno pastor Davi e o gigante filisteu Golias anda a ser mal contada às crianças pelo menos desde há 25 ou 30 séculos.

Ao longo do tempo, as diversas partes interessadas no assunto elaboraram, com o assentimento acrítico de mais de cem gerações de crentes, tanto hebreus como cristãos, toda uma enganosa mistificação sobre a desigualdade de forças que separava dos bestiais quatro metros de altura de Golias a frágil compleição física do louro e delicado Davi.

Tal desigualdade, segundo todas as aparências enorme, era compensada, e logo revertida a favor do israelita, pelo fato de Davi ser um mocinho astucioso e Golias uma estúpida massa de carne, tão astucioso aquele que antes de ir enfrentar-se ao filisteu apanhou na margem de um regato que havia por ali perto cinco pedras lisas que meteu no alforje, tão estúpido o outro que não se apercebeu de que Davi vinha armado com uma pistola.

Que não era uma pistola, protestarão indignados os amantes das soberanas verdades míticas, que era simplesmente uma funda, uma humílima funda de pastor, como já as haviam usado em imemoriais tempos os servos de Abraão que lhe conduziam e guardavam o gado.

Sim, de fato não parecia uma pistola, não tinha cano, não tinha coronha, não tinha gatilho, não tinha cartuchos, o que tinha era duas cordas finas e resistentes atadas pelas pontas a um pequeno pedaço de couro flexível, no côncavo do qual a mão esperta de Davi colocaria a pedra que, à distância, foi lançada, veloz e poderosa como uma bala, contra a cabeça de Golias, e o derrubou, deixando-o à mercê do fio da sua própria espada, já empunhada pelo destro fundibulário.

         

Não foi por ser mais astucioso que o israelita conseguiu matar o filisteu e dar a vitória ao exército do Deus vivo e de Samuel, foi simplesmente porque levava consigo uma arma de longo alcance e a soube manejar. A verdade histórica, modesta e nada imaginativa, contenta-se com ensinar- nos que Golias não teve nem sequer a possibilidade de pôr as mãos em cima de Davi.

A verdade mítica, emérita fabricante de fantasias, anda a embalar-nos há 30 séculos com o conto maravilhoso do triunfo de um pequeno pastor sobre a bestialidade de um guerreiro gigantesco a quem, afinal, de nada pôde servir o pesado bronze do capacete, da couraça, das perneiras e do escudo.

Tanto quanto estamos autorizados a concluir do desenvolvimento deste edificante episódio, Davi, nas muitas batalhas que fizeram dele rei de Judá e de Jerusalém e estenderam o seu poder até a margem direita do Eufrates, não voltou a usar a funda e as pedras.

Também não as usa agora.

          

Nestes últimos 50 anos cresceram a tal ponto as forças e o tamanho de Davi que entre ele e o sobranceiro Golias já não é possível reconhecer qualquer diferença, podendo até dizer-se, sem insultar a ofuscante claridade dos fatos, que se tornou num novo Golias.

Davi, hoje, é Golias, mas um Golias que deixou de carregar pesadas e afinal inúteis armas de bronze. Aquele louro Davi de antanho sobrevoa de helicóptero as terras palestinas ocupadas e dispara mísseis contra alvos inermes; aquele delicado Davi de outrora tripula os mais poderosos tanques do mundo e esmaga e rebenta tudo quanto encontra na sua frente; aquele lírico Davi que cantava loas a Betsabé, encarnado agora na figura gargantuesca de um criminoso de guerra chamado Ariel Sharon, lança a "poética" mensagem de que primeiro é necessário esmagar os palestinos para depois negociar com o que deles restar.

Em poucas palavras, é nisto que consiste, desde 1948, com ligeiras variantes meramente táticas, a estratégia política israelita.

Intoxicados mentalmente pela ideia messiânica de um Grande Israel que realize finalmente os sonhos expansionistas do sionismo mais radical; contaminados pela monstruosa e enraizada "certeza" de que neste catastrófico e absurdo mundo existe um povo eleito por Deus e que, portanto, estão automaticamente justificadas e autorizadas, em nome também dos horrores passados e dos medos de hoje, todas as ações próprias resultantes de um racismo obsessivo, psicológica e patologicamente exclusivista; educados e treinados na ideia de que quaisquer sofrimentos que tenham infligido, inflijam ou venham a infligir aos outros, e em particular aos palestinos, sempre ficarão abaixo dos que padeceram no Holocausto, os judeus arranham interminavelmente a sua própria ferida para que não deixe de sangrar, para torná-la incurável, e mostram-na ao mundo como se tratasse de uma bandeira.

Israel fez suas as terríveis palavras de Jeová no Deuteronômio: "Minha é a vingança, e eu lhes darei o pago". Israel quer que nos sintamos culpados, todos nós, direta ou indiretamente, pelos horrores do Holocausto, Israel quer que renunciemos ao mais elementar juízo crítico e nos transformemos em dócil eco da sua vontade, Israel quer que reconheçamos de jure o que para eles já é um exercício de fato: a impunidade absoluta.

Do ponto de vista dos judeus, Israel não poderá nunca ser submetido a julgamento, uma vez que foi torturado e queimado em Auschwitz. Pergunto-me se esses judeus que morreram nos campos de concentração nazistas, esses que foram perseguidos ao longo da História, esses que foram trucidados nos progrons, esses que apodreceram nos guetos, pergunto-me se essa imensa multidão de infelizes não sentiria vergonha pelos atos infames que os seus descendentes vêm cometendo.

Pergunto-me se o fato de terem sofrido tanto não seria a melhor causa para não fazerem sofrer os outros.

As pedras de Davi mudaram de mãos, agora são os palestinos que as atiram. Golias está do outro lado, armado e equipado como nunca se viu soldado algum na história das guerras, salvo, claro está, o amigo americano.

Ah, sim, as horrendas matanças de civis causadas pelos chamados terroristas suicidas... Horrendas, sim, sem dúvida, condenáveis, sim, sem dúvida. Mas Israel ainda terá muito que aprender se não é capaz de compreender as razões que podem levar um ser humano a transformar-se numa bomba.

Fonte : http://blogdobourdoukan.blogspot.com.br/2014/07/das-pedras-de-davi-aos-tanques-de-golias.html

Abraços

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário."
George Orwell

"Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador."
Eduardo Galeano

Desejando, expresse o seu pensamento do assunto exposto no artigo.
Agressões, baixarias, trolls, haters e spam não serão publicados.

Seus comentários poderão levar algum tempo para aparecer e não serão necessariamente respondidos pelo blog.

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do autor deste blog.

Agradecido pela compreensão e visita.