sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Política externa e poder

Publicado em A Nova Democracia, nº 77 – maio de 2011

POLÍTICA EXTERNA E PODER
Adriano Benayon * – 20.04.2011

Muitos brasileiros têm especial interesse pela política externa. Temos longa
tradição diplomática, que remonta aos portugueses. Estes tentavam suprir a
falta de poder militar com habilidade nas negociações. Mas só foi possível
conseguir resultados em função de algum poder nacional próprio e de
divergências ou conflitos entre potências mais poderosas.

2. Há a história de uma diplomacia, em geral, vitoriosa, na época do Império
e início da Velha República, liderada pelo Barão do Rio Branco, na fixação
dos limites, através de pleitos jurídicos submetidos a arbitragem. Mas isso
só prevaleceu em relação a vizinhos cujo poder nacional e militar não
superava o do Brasil, e quando não contrariava os interesses da Inglaterra.
Ademais, os litígios fronteiriços com o Paraguai só foram resolvidos após a
derrota desse país na Guerra da Tríplice Aliança.

3. Na questão com a Guiana Inglesa, os britânicos fizeram que o laudo do
Rei da Itália os favorecesse. Assim, o Brasil perdeu a região do Pirara, e os
britânicos lograram acesso à Bacia Amazônica. Depois, com Collor e Jarbas
Passarinho, arrancaram a demarcação da região atribuída a índios
“ianomâmis”.

4. Com ONGS, financiadas pelas potências oligárquicas, dando as cartas, os
brasileiros vêm sendo alijados dessas áreas dotadas de colossais jazidas de
minerais raros, estratégicos e preciosos. FHC cedeu mais espaços àquelas
potências, e estas obtiveram, com Lula, a demarcação da Reserva Raposa
do Sol, em Roraima.

5. Portanto, a questão para a qual a estratégia de segurança e defesa
nacional deve atentar não são tanto eventuais conflitos regionais, mas, sim,
a pressão que as potências hegemônicas extracontinentais exercem sobre o
Brasil para controlar os recursos naturais e a economia do País.

6. Isso elas vêm conseguindo de há muito, especialmente desde 1954,
apossando-se da indústria e dos demais setores. Além disso, a partir de
1988, ditas potências têm dados passos sucessivos para retirar do Brasil até
mesmo a soberania sobre os riquíssimos territórios “indígenas” e de
“reservas ambientais”, onde instalam o poder de “agências de cooperação”,
de organizações internacionais - que também controlam – e das ONGs.

7. Já não são frequentes, como no Século XIX e na 1ª metade do XX, os
conflitos regionais, embora aconteçam, não raro, “guerras por procuração”,
em que países vizinhos guerreiam entre si, cada um representando
interesses de uma potência mundial.

8. Desde os anos 70 do Século XX, as guerras mais frequentes não
deveriam ser assim qualificadas, tratando-se, na realidade, de intervenções
militares de potências superarmadas contra nações praticamente indefesas,
que tenham impedido, reduzido ou dificultado a entrega de seus recursos,
notadamente o petróleo, nas condições desejadas por aquelas potências.

9. Exemplos são as intervenções contra o Iraque, em 1990/1991, e a
perpetrada contra o Afeganistão, iniciada em 2001, e contra o Iraque, em
2003. Agora, os ataques de EUA, Reino Unido e França sobre a Líbia.

10. É evidente, portanto, que o Brasil está em situação muito difícil, da qual
precisa sair, pois é o país que tem em seu território os recursos naturais de
todo tipo, os mais valiosos do Planeta, e estes vão para o exterior em
quantidades cada vez maiores, enquanto os problemas se avolumam:
desindustrialização; desnacionalização; aumento do número de pobres;
serviços públicos em constante deterioração; impostos elevados; os juros
mais altos do mundo; inflação em alta; câmbio supervalorizado; serviço da
dívida em R$ 400 bilhões por ano; infra-estrutura, educação e cultura
destroçadas.

11. Como sair dessa situação sem contrariar a oligarquia financeira angloamericana,
que busca o governo mundial? Sendo claro que ela não vai
gostar de perder o controle da fonte quase inesgotável de recursos naturais
que é o Brasil, a mais urgente das prioridades do País é reindustrializar-se e
ganhar crescente domínio sobre as tecnologias utilizadas na produção.

12. Sem isso, não existe defesa nacional, e, sem esta, um país não tem
como assegurar seus direitos, nem em casa, nem nas relações
internacionais. Spinoza, grande filósofo do Século XVII, está mais atual que
nunca: o direito decorre do poder.

13. Na guerra das Malvinas, os mísseis Exocet, importados da França
tornaram-se inócuos, porque a França cedeu à Inglaterra os códigos dessas
armas.

14. Outra lição: estava-se em 1982, e o governo militar argentino havia
feito muitas concessões e prestado serviços à política imperial dos EUA na
América Central. Acreditava, assim, que os EUA ajudariam ou ficariam
neutros na guerra contra a Inglaterra. Nada disso: a oligarquia britânica e a
norte-americana são associadas, e seus países, membros da OTAN. Assim,
os EUA forneceram informações de satélites e outras a seus parceiros
imperiais.

15. Essa lição é corroborada pelo caso do Iraque, que, apoiado potências
ocidentais, e mais a Rússia, movera guerra contra o Irã, que durou de 1980
a 1988. Nem assim, o Irã foi derrotado.

16. Depois, o Iraque caiu na cilada anglo-americana, convidado a invadir o
Coveite, pretexto para o massacre da guerra do Golfo, em 1990, quando
torrentes de mísseis e bombas com pontas de urânio destruíram os
armamentos e cidades iraquianas, imolando centenas de milhares de
militares e civis, além de causar letal contaminação nuclear.

17. Depois, Sadam tomou algumas iniciativas positivas para seu país, que
desagradaram a oligarquia anglo-americana. Fortemente pressionado, voltou
a fazer concessões, abandonando o programa nuclear e abrindo as
instalações às inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica. Mas o
Iraque sofreu nova e brutal agressão, invadido, em 2003, após novos
ataques destruidores.

18. A Líbia tem em comum com o Iraque o fato de possuir estupendas
jazidas de petróleo leve. Além disso, o governo de Gadáfi foi um dos raros a
investir em infra-estrutura produtiva e no bem-estar coletivo a maior parte
das receitas de exportação, desde os anos 60, quando esse líder de um país
atrasado e tribal derrubou a monarquia vinculada a potências estrangeiras.

19. Entretanto, Gadáfi resolveu melhorar sua imagem no Ocidente e fez
concessões a interesses imperiais, além de ter renunciado a desenvolver seu
programa nuclear, o que não livrou a Líbia dos brutais ataques armados que
lhe estão sendo infligidos.

20. Como no caso do Iraque, isso provavelmente estimulou esses ataques.
Moral da oligarquia anglo-americana: “Você se desarmou? Então, melhor.
Assim, nossas forças atacarão com mais facilidade.”

21. Inútil, portanto, se não contraproducente, tentar conciliar-se com o
Império. Ninguém se engane: habilidade diplomática, discursos e boa
conversa não poupam país algum da dominação estrangeira e de sofrer
brutais intervenções armadas, se não tem capacidade militar dissuasória.

22. Entre os golpes militares telecomandados, recorde-se a queda do
Presidente Vargas, o último a ter tido êxitos significativos protegendo os
interesses nacionais. Em 1952, ele não eliminou na origem as traições de
João Neves da Fontoura, Ministro das Relações Exteriores, e do General
Pedro Aurélio de Góis Monteiro, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.

23. Esses negociaram acordo militar com os EUA, lesivo ao País e
denunciado pelo governo de Geisel em 1977. Esse acordo fez o Brasil
adquirir material militar sucatado nos EUA, pagar por ele preços altíssimos e
ficar importando peças e sobressalentes. Ademais, retardou o
desenvolvimento e a fabricação desse material no Brasil.

24. A negociação foi feita sem conhecimento do Ministro da Guerra, Estillac
Leal, que, ao dela saber, se demitiu, não tendo sido sustentado por Vargas.
Nesse momento, o presidente começou a cavar sua sepultura, por não ter
tomado as medidas que se impunham: desautorizar a assinatura do acordo
e demitir os que se comportaram como agentes do Império.

25. Estillac Leal era líder da corrente nacionalista do Exército e fez muita
falta a Vargas, pois os serviços secretos estrangeiros já estavam montando
a conspiração que levou à sua derrubada em 1954.

* - Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus
Desenvolvimento”, editora Escrituras. abenayon@brturbo.com.br

Fonte: http://www.atuario.com.br/aa-artigos/20110420_adriano_benayon_%20politica_exterma.pdf

Abraços

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