Israel e a África do Sul do
apartheid
24/6/2010, Bernard Porter, London Review of Books,
vol. 32, n. 12, pp. 8-10
Resenha de POLAKOW-SURANSKY,
Sasha. The Unspoken Alliance :
Israel ’s Secret Relationship
with Apartheid South
Africa , Pantheon, 324 pp, $27.95, maio-2010
Traduzido
por Caia Fittipaldi
Esse livro chamou muita atenção quando apareceu nos
EUA, em maio-2010, porque, à primeira vista, comprovava uma oferta, feita por
Israel, para vender armas nucleares à África do Sul do apartheid. A oferta
aconteceu já há certo tempo, mas ainda causa embaraços à Israel atual, sobretudo
às vésperas do início de negociações de alto nível que visam à não-proliferação
nuclear focadas no Oriente Médio (por razões óbvias, a discussão causa hoje
menos embaraços à África do Sul).
Além disso, houve imediato desmentido por Shimon
Peres; e se alguém conhece a inspiração dessa acusação é ele: o próprio Shimon
Peres, ministro da Defesa àquela época e arquiteto do programa nuclear de Israel
em Dimona, estaria necessariamente envolvido naquela
negociação.
As acusações são ilações a partir de algumas
declarações ambíguas feitas no decorrer de encontro entre os principais oficiais
encarregados da Defesa dos dois países dia 31/3/1975. Sasha Polakow-Suransky,
autor do livro, argumenta que a própria ambiguidade das declarações indicam que
algo irregular acontecia ali. Aquela oferta parece ser a única explicação
plausível para um memorando assinado pelo chefe do estado-maior do Exército da
África do Sul, que leva exatamente a mesma data, e que festeja
‘entusiasticamente’ a possibilidade de a África do Sul comprar bombas atômicas.
Esse ‘entusiasmo’ parece comprovar, no mínimo, que os sul-africanos estavam
convencidos de que Israel lhes oferecera a bomba. No final, a ‘oferta’ deu
em nada: P.W.
Botha concluiu que o preço da bomba estava alto demais.
Mas há outras indicações de que, sim, mais tarde,
houve cooperação relacionada aos arsenais nucleares entre Israel e África do Sul
do apartheid: Israel forneceu trítio à África do Sul em 1977-78; há registro de
uma ‘dupla fulguração’, no Atlântico Sul, em setembro de 1979, que pode ter sido
sinal de explosão nuclear; nesse caso, bem pode ter havido um teste nuclear
conduzido pelos israelenses em área próxima do litoral da África do Sul; houve
visitas secretas, entre os dois países, de cientistas nucleares; e outras
evidências. Por essa via, ou por outras, parece que, sim, a África do Sul teria
comprado bombas atômicas. Quanto a isso, eu, pessoalmente, tenho muitas dúvidas,
mas não sou especialista. Ao mesmo tempo, não me parece razoável aceitar, sem
discutir, as negativas dos israelenses.
Sabe-se que, já há algum tempo, Israel aplica-se a
desmontar – sobretudo nos anos 70s e 80s – qualquer notícia que circule de que
tenha havido aliança mais ampla entre Israel e África do Sul: esse, afinal, é o
quebra-cabeça mais interessante a que se dedica o livro de Polakow-Suransky, que
oferece boa pesquisa, parece-me oferecer perspectiva equilibrada e é excelente
leitura.
Essa aliança é intrigante, é claro, por causa do
profundo desfiladeiro político que se esperaria que separasse necessariamente,
em todos os casos, as duas nações: uma nascida da perseguição pelos nazistas e
outra nascida de (em larga medida) simpatizantes do nazismo. À altura dos anos
1950s, os nacionalistas sul-africanos abandonaram seu antissemitismo explícito.
Em 1951, os judeus passaram a ser admitidos no partido, definidos como “brancos”
face à legislação do apartheid implantada imediatamente depois; e por mais que
os judeus jamais se tenham sentido seguros nessa posição – o que explica os
esforços insistentes, quase em pânico, do South African Jewish Board of Deputies,
para se dissociarem da posição antiapartheid que Israel assumira nos primeiros
anos de existência.
Seja como for, dever-se-ia supor que o racismo, de
qualquer tipo, sempre tenha sido anátema para os judeus. Para muitos israelenses
– provavelmente para a maioria – era; ‘a antítese do corpo e da alma da ética
judia’, como disse um estudante na Cidade do Cabo, quando de uma visita a
Jerusalém, do primeiro-ministro sul-africano (e simpatizante do nazismo), em
abril de 1976, e que cimentou a relação política entre os dois países. “Judeu
que aceite o apartheid deixa de ser judeu”. Isso dizia Shimon Peres, o que
provavelmente explica sua sofreguidão, agora, ao negar os relatos que falam de
acordo nuclear entre Israel e África do Sul do apartheid.
Por essa razão, nos anos 1970s e início da década
seguinte, muitos judeus recusaram-se a crer na possibilidade de quaisquer laços
entre militares dos EUA e África do Sul; de fato, em 1985 o American Jewish Committee dizia que as
denúncias não passavam de tática dos inimigos, para “deslegitimar” o estado
israelense. (Já ouvimos esse argumento, não é mesmo?).
A verdade é que houve a colaboração, evidência que
nem os americanos pró-Israel podem negar, dado que o próprio congresso desses
norte-americanos pró-Israel publicou relatório detalhado sobre a colaboração, em
1987.
Então... os israelenses tiveram de defender aqueles
acordos, mobilizando a bagagem moral, mais do seu lado do que do lado dos
sul-africanos. A defesa mais óbvia usou argumentos de realpolitik. Os dois governos, de Israel
e da África do Sul eram internacionalmente impopulares, e, com o tempo,
tornavam-se cada vez mais impopulares. No caso da África do Sul, essa
impopularidade lá estava, desde o início da fase supernacionalista, em 1948;
quando, coincidentemente, o estado de Israel foi afinal criado, sob os melhores
auspícios, no início, pelo menos na Europa e EUA.
Israel começou a cair em desgraça ao tempo da
Guerra dos Seis Dias de 1967, que levou a extensa ampliação territorial por
invasão e ocupação de terras palestinas. Foi de tal ordem o ataque, que os
vizinhos árabes de Israel rapidamente deixaram de vê-la como “um farol
socialista” e passaram a ver Israel como “agressora imperialista”.
Dali em diante, eventos nos dois países – Soweto,
Yom Kippur, Líbano – além da ascensão de um tipo de discurso às vezes simplista
mas sempre anti-imperialista no Segundo e no Terceiro Mundo e na esquerda
ocidental [aqui, Polakow-Suransky destaca o trabalho dos ativistas negros nos
EUA], minaram ainda mais o crédito de que os dois países ainda gozassem ante a
comunidade internacional.
Resultado desse processo, os dois países perderam
aliados e parceiros comerciais em grandes doses – nos anos 1970s, por algum
tempo, Israel perdeu até o apoio dos EUA –, exceto a África do Sul, para Israel;
e Israel, para a África do Sul. “Quando se trata de escolher amigos”, disse o
presidente da Câmara de Comércio Israel-África do Sul em 1983, “não temos muitos
amigos que possamos correr o risco de antagonizar”. Estados párias não escolhem
aliados. Aí, afinal, parece estar a base fundamental do relacionamento entre
Israel e África do Sul do apartheid.
Ambos os países, evidentemente, precisavam de
amigos. Colonos sempre precisam de solidariedades – e havia colonos
recém-chegados, tanto em Israel quanto na África do Sul. De modo geral, amigos
dos colonos são os poderes regionais que os implantaram como colonos, é claro;
dos quais os colonos dependem, muitas vezes muito mais do que sabem ou percebem.
Essa dependência é particularmente importante nos casos em que, no local a
colonizar, a população seja, em vasta maioria, constituída de ‘outros’. E ainda
mais particularmente importante quando esses ‘outros’ tenham sido roubados e
expulsos de suas terras, muitas vezes com crueldade. (Pode-se dizer que aí está
um dos dois pecados originais dos quais nasceu o estado de Israel, nesse caso o
pecado cometido por Israel; o outro, é claro, foi o pecado cometido por
Hitler.)
Deixadas entregues aos seus próprios recursos,
colônias desse tipo tornam-se sempre terrivelmente vulneráveis; exemplos
históricos dessa vulnerabilidade, em que as colônias foram destruídas são,
dentre outros, o Quênia, a Rodésia, a Argélia, sob governo de brancos. Esse o
destino que pairava ameaçador no horizonte pós-1948 de África do Sul e Israel: o
risco de que fossem engolidos pelas vastas maiorias de africanos e de árabes que
os cercavam ou jogados – como em algumas imagens – no fundo dos respectivos
mares. Todos aqueles para os quais fossem impensáveis tanto esse destino quanto
a possibilidade de algum acordo com concessões ao ‘outro lado’ tiveram de
procurar ajuda fora de onde estavam. Dado que nem Israel nem África do Sul
beneficiavam-se da simpatia internacional – que mais rapidamente andou na
direção dos africanos e árabes palestinos oprimidos –, foi dif ícil encontrar
solidariedades, senão em estados que enfrentassem dilema
semelhante.
O comércio também foi fator de aproximação
política. Quando a luta econômica se aguçou – no caso da África do Sul, por
causa das sanções internacionais –, os dois países, Israel e África do Sul,
passaram a depender comercialmente, cada vez mais, um do outro. Como logo se
viu, os países tinham necessidades quase perfeitamente complementares. Israel
tinha armas para vender, inclusive mísseis e, possivelmente, também ogivas
nucleares; e precisava muito vendê-las, para manter viva uma economia
continuamente devorada pelas muitas guerras. A África do Sul do apartheid tinha
dinheiro para pagar pelo que comparasse, e minerais vitais para Israel (carvão,
cromo e ‘torta de urânio’ – 500 toneladas da qual foram entregues a Israel para
fazer suas bombas atômicas, em 1976.
Dado o isolamento em que viviam, os dois governos
pouco se preocuparam com sanções internacionais: gerais contra a África do Sul,
por exemplo, que Israel sempre desconsiderou; ou regras e leis para inspeção do
uso do combustível nuclear (“torta de urânio” ou ‘bastonetes de urânio”), para
assegurar que sempre fosse usado para finalidades pacíficas, no caso de Israel.
À altura dos anos 1980s, consequentemente, cada país – por pequenos que fossem –
haviam-se tornado, cada um, um dos dois ou três principais mercados para
produtos do outro. E o comércio de armas e toda a constelação de produtos que
constitui esse comércio dominava completamente o quadro. Comércio e defesa –
quase a sobrevivência – andavam juntas, ali, entre Israel e África do Sul do
apartheid. Nunca a Realpolitik foi mais real.
Dentre os israelenses que apoiavam esses arranjos
com a África do Sul, essas considerações, é claro, eram cruciais. A maioria
deles, provavelmente, não era racista. O livro de Polakow-Suransky relaciona
nome de vários diplomatas israelenses que pareciam genuinamente horrorizados
ante o apartheid, mas estavam convencidos de que os interesses nacionais de
Israel seriam superiores. Um desses foi o embaixador Yitzhak Unna, cujo encontro
inicial com sul-africanos que se recusaram a nadar na mesma piscina em que
nadava um amigo iemenita do embaixador acabou em troca de socos. Unna chegou a
atacar o apartheid em programa de televisão na África do Sul (e falando
africâner, língua que o embaixador dera-se o trabalho de aprender.
Aparentemente, pode-se insultar africâneres o quanto se queira, desde qu e se
fale a língua deles). Mesmo assim, Unna continuou a afirmar que a aliança seria
vital “tanto de um ponto de vista estratégico quanto de um ponto de vista
comercial e, também, de um ponto de vista judeu”.
Polakow-Suransky também cita um sobrevivente do
Holocausto, que Arthur Goldreich, militante anti-apartheid, consultava sobre
cartazes da ‘suástica’ que distribuía na visita de Vorster em 1976. Para grande
surpresa de Goldreich, ouviu do velho judeu: “Faremos acordos até com o diabo,
para salvar os judeus da perseguição e garantir o futuro do Estado judeu.” “Era
essa”, Goldreich comentou, “a atmosfera em que se vivia naquela época”.
Pode, contudo, ter havido mais do que isso,
sobretudo depois que o relacionamento desenvolveu-se, e os dois lados
descobriram que tinham mais em comum que um casamento de conveniência, ou mesmo
de necessidade, para os dois lados.
Shimon Peres disse praticamente isso depois de um
encontro secreto com líderes da África do Sul, em Pretoria, em novembro de 1974:
“Essa cooperação não se baseia só em interesses comuns e na firme determinação
de resistir igualmente aos nossos inimigos”, mas também, “no nosso ódio comum da
injustiça” (sic), e pode vir a desenvolver-se como “uma próxima identidade de
aspirações”, à medida que os dois países viessem a conhecer-se melhor. E quando
vieram a conhecer-se melhor, vieram à tona algumas afinidades
intrigantes.
Os dois países descobriram que tinham um inimigo
histórico comum, no velho Império Britânico, por exemplo, embora nem Israel nem
África do Sul tivessem sido capazes de chegar onde chegaram sem os britânicos.
Os líderes nacionalistas sul-africanos, criados pelos dois livros bíblicos,
tanto pelo Velho quanto pelo Novo Testamento, logo se descobriram ‘hipnotizados’
pela Terra Santa, quando a visitaram pela primeira vez. O primeiro-ministro D.F.
Malan voltou de sua primeira viagem a Israel em 1953 falando de sua “admiração
pela capacidade dos judeus de conservar sua identidade nacional apesar dos
séculos de adversidades” – que claramente havia tocado uma fibra profunda em sua
alma africânder atormentada. Paralelo
histórico superficialmente óbvio foi logo encontrado entre a Grande Trilha dos
Africânderes, fugindo dos britânicos
pelo rio Vaal para encontrar sua própria república, e o Êxodo Bíblico. (É
paralelo só muito superficialmente óbvio, porque os judeus fugiam da servidão; e
os africânderes fugiam, em boa medida, para manter a propriedade de seus
escravos negros.) Elementos religiosos nos dois países viam-nos como “o povo
escolhido” de Deus. Se havia quem entendesse que, em vez de um, Deus teria
escolhido dois povos, não faltou quem concluísse que, então, não haveria dúvidas
de que Israel e África do Sul partilhavam outros traços.
Tudo isso pavimentou a estrada para uma modalidade
mais dura e mais ideológica de sionismo nos anos 1970s, embora as origens
intelectuais do sionismo sejam mais antigas, vindas pelo menos dos anos 1920s:
um sionismo mais agressivo na exigência de territórios (para criar uma “Israel
Maior”, dos dois lados do rio Jordão), hostil ao liberalismo, assertivamente sem
princípios, declaradamente racista (contra os árabes), com tendência a ver o
mundo como incorrigivelmente antissemita e, assim, enfatizando a importância da
força militar mais do que qualquer judeu jamais fizera, em tempo algum. (Um dos
motivos que parece ter gerado essa nova formação ideológica dentro do sionismo
parece ter sido am intenção de esvaziar o velho estereótipo do judeu como
intelectual sem força física ou como capitalista ou agiota obeso, cuja
perseguição não indignaria muita gente – objetivo que, sim , foi com certeza
alcançado.)
Polakow-Suransky atribui a Menachem Begin o feito
de ter inserido essa ideologia de ‘neorrevisionismo’ na política hegemônica
israelense, como uma camada acrescentada por cima da realpolitik, a partir do momento
em que seu Partido
Likud chegou ao
poder – deslocando o velho partido Labour – em 1977. As colônias nos
territórios ocupados são prova de que parte significativa dessa ideologia ainda
sobrevive na Israel de hoje.
Ao que parece, Begin sempre favoreceu que Israel
mantivesse laços estreitos com os africânderes – que ninguém jamais viu
como intelectuais sem músculos ou frágeis. Verdade que, fiel aos seus pessoais
intintos militares – mas também como resultado das carências dos dois países –
os laços mais próximos estabeleceram-se sempre entre os respectivos
departamentos de Defesa de Israel e África do Sul.
Polakow-Suransky observa que os generais, ministros
da Guerra e compradores de armas dos dois lados tornaram-se realmente amigos bem
íntimos. É o que se vê na correspondência que trocaram, “caracterizada por muito
claros sinais de familiaridade e amizade”, em contraste com a correspondência
muito mais formal trocada entre os diplomatas. E porque – como Polakow-Suransky
argumenta – sempre era o establishment da Defesa que comandava a
diplomacia israelense naquele período, ou, com mais frequência, a ignorava (o
autor fala das duas equipes como separadas por “um muro”, presumivelmente bem
literal, na embaixada em Pretoria, que nem o embaixador jamais ultrapassava),
essas amizades parecem ter forjado as ‘aspirações’ particulares que, com o
tempo, Israel e África do Sul partilhariam, dali em diante, cada vez
mais.
Um dos meios pelos quais o establishment da Defesa fez o que fez
foi encorajar todos os líderes, nos dois países, a ver os problemas de seus
países e suas soluções em termos, sobretudo militares e estratégicos, não em
termos diplomáticos ou morais. Hoje já nem é preciso elaborar muito esse ponto,
no que tenha a ver com Israel, se se pensa no massacre promovido pelo exército
de Israel em Gaza no final de 2008-09 e – noutra proporção, mas ainda com fúria
desproporcional – no ataque ao comboio de barcos que tentou romper o bloqueio de
Gaza dia 30 de maio p.p.
Outro daqueles meios foi construir visões paralelas
sobre os respectivos principais oponentes, o Congresso Nacional Africano (ANC) e
a Organização para Libertação da Palestina (OLP): os dois grupos passaram a ser
descritos simplesmente como “comunistas” ou “terroristas”, provavelmente duas
‘frentes’ de uma mesma única conspiração comunista internacional; combater os
dois grupos tornou-se “missão conjunta” para os dois países. (Ou essa manobra
não passou de propaganda, para ressuscitar os velhos guerreiros da Guerra Fria,
como Reagan e Thatcher?)
Como combater aquelas duas organizações passou a
ser assunto para intensas consultas entre israelenses e sul-africanos, com
conferências bilaterais anuais de inteligência e intercâmbio de agentes.
Relatório assinado pelo chefe do Exército da África do Sul Constand Viljoen
depois de visitar os postos de controle israelenses em 1977 mostra-o
“maravilhado” com a “completude” do processo. “No caso de menor demora, os
árabes que tentem atravessar esperam uma hora e meia. Em momentos de tráfego
mais pesado, pode levar de quatro a cinco horas. Assim é que se faz controle de
estradas!”
Outra lição que os sul-africanos do apartheid
aprenderam dos israelenses foram as vantagens de manter política “opaca” em
relação às armas nucleares: os outros países que pensem que você tem, mesmo que
você não tenha, ou mesmo que tenha, porque não há outro meio para equiparar-se
às grandes potências. Essa política pode ser a explicação para aquelas
ambiguidades encontradas em 1975.
Parece que os israelenses mais ensinaram que
aprenderam dos sul-africanos do apartheid. Alguns sul-africanos tentaram dar
lições de apartheid – e sobre os bantustões, em especial – aos novos amigos
israelenses, como prescrição de como enfrentar o “problema” palestino. Mas a
ideia jamais prosperou, não, pelo menos, formalmente.
Israel tem sido referida recentemente como “estado
de apartheid”. A referência mais controversa é de Jimmy Carter, que deu ao seu
livro de 2006 o título de Palestina: Paz, não Apartheid. O título parece ter
dado respeitabilidade ao que, antes, era visto como discurso acusatório de
esquerda. Mas os sintomas que mais se podem ver, de apartheid, parecem nascer
mais da própria situação em que Israel se pôs, do que dos contatos com os
sul-africanos.
Ao final do livro, Polakow-Suransky discute se
seria apropriado usar o “palavrão” “apartheid” em conexão com Israel.
Não é discussão estritamente relevante à pesquisa e à discussão
que orienta seu livro, mas é capítulo que se espera em livro que reúna as
palavras “Israel” e “apartheid” no título.
A conclusão, em poucas palavras, é que, embora haja
semelhanças – as estradas exclusivas para judeus na Cisjordânia e a “exigência
de identificação, em tudo semelhante ao que determinavam as leis ‘de passe’ para
brancos ” – a analogia é imperfeita, porque Israel jamais proibiu por lei a
miscigenação e não impõe o mesmo grau de servidão institucional aos árabes, que
os sul-africanos brancos impunham aos negros.
Nas palavras do autor “os trabalhadores que limpam
esgotos em Telavive e varrem a sujeira dos kibutzim são, quase sempre,
mão-de-obra convidada da Ásia ou da África, e raramente são palestinos”. Aí
estaria diferença fundamental entre duas formas de colonialismo por ocupação por
colônias e colonos implantados em novos territórios.
Os sul-africanos brancos queriam para eles terra e
trabalho. Os israelenses, pode-se dizer, contentam-se só com a
terra.
O arranjo entre os dois países foi quase
inteiramente arranjo militar, baseado no pressuposto de que o melhor modo de
defender seus interesses seria usar meios militares duros. No caso da África do
Sul, essa ideia comprovou-se uma quimera; para grande surpresa, diga-se de
passagem, dos israelenses de mentalidade bélico-militar, os quais, às vésperas
do colapso do apartheid, ainda construíam estratégicas a partir da certeza de
que duraria, no mínimo, por outros 20 anos.
Assim aconteceu que Israel perdeu seu
pária-parceiro, inevitavelmente; para piorar, pesa-lhe hoje sobre as costas um
novo estigma, de ter cooperado com regime racista desprezível aos olhos do mundo
– a ponto, mesmo, de tê-lo ajudado a comprar armas atômicas. Como se não
faltassem estigmas sobre os sionistas, merecidos ou não.
Fato é que, depois da África do Sul do apartheid,
Israel não encontrou parceiro-pária substituto; não, com certeza, entre as
nações africanas emergentes, cuja experiência histórica (muitos árabes foram
mercadores de escravos) pode-las-ia, talvez, inclinar em direção a Israel. É preço
alto demais que Israel paga, em troca de algumas poucas décadas de suposta
segurança, especialmente para país que nasceu sob ideais pressupostos liberais.
Ainda não se sabe se a associação com a África do
Sul do apartheid valeu a pena, ou não. O que se vê é que Israel continua a
investir na política militar de agressão à “moda-macho”, até contra ativistas
pacifistas com objetivos humanitários, expondo-se à reprovação e à indignação do
mundo. Seja como for, essa foi uma das políticas da África do Sul do apartheid,
que também sonhava com esse recurso, à violência, para garantir a própria
segurança. Segundo a análise de Polakow-Suransky, sob princípios liberais, o
futuro das políticas de violência de Israel não parece ser melhor que o do
apartheid na África do Sul.
A resenha original, em
inglês, pode ser lida em: Pariahs Can’t Be
Choosers
Abraços
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