segunda-feira, 1 de setembro de 2014
Usura
“Enquanto a economia foi considerada uma ‘ciência moral’ (e, diga-se desde já, não pode ser outra coisa, pois depende das decisões dos homens), uma das questões mais debatidas pelo pensamento econômico foi a usura. No entanto, quando os moralistas foram expulsos do pensamento econômico, deixou-se de escrever e pensar sobre ela. Mas quer se diga ou se oculte, o certo é que a usura se encontra no coração do sistema capitalista (na verdade, é a gangrena de seu coração); e também na raiz de todas as desordens econômicas e morais de que hoje padecemos.
Se olharmos para trás (algo que o homem contemporâneo tanto detesta, para não ter que se arrepender de seus erros), comprovaremos que a usura esteve sempre proibida. “Não darás a teu irmão dinheiro a juros, nem lhe exigirás mais grãos que os que lhe houveres dado”, lemos no Levítico. E no Evangelho de São Lucas, Jesus proclama: “Amai, pois, a vossos inimigos, e fazei o bem, e emprestai, sem nada esperardes”. Aristóteles considerava execrável “o tráfico de dinheiro, que tira lucro da moeda”; e o direito civil da Idade Média o declarou delito. Em sua encíclica Vix pervenit, Bento XIV condenava o pecado da usura, que se comete “quando se faz um empréstimo de dinheiro e, com base unicamente no empréstimo, o mutuante exige do mutuário mais do que lhe havia emprestado”; e no entanto Leão XIII, em Rerum novarum, se referia, em um sentido mais genérico, à “usura devoradora... um demônio condenado pela Igreja mas de todos os modos praticado de modo enganador por homens avarentos”. A condenação da usura foi unânime até a ruptura da Cristandade ocasionada pela Reforma, quando os príncipes protestantes começaram a introduzir legislações que, sob o pretexto de favorecer o comércio e o sistema bancário, confundiam o lucro legítimo com a usura. Desde então, a usura se tornou o ‘pão nosso de cada dia’, também no âmbito católico, ou pseudocatólico.
Na linguagem corrente, por usura entendemos a ‘cobrança de um juro excessivo pelo empréstimo de um capital’. Mas antes de começar a fixar qual é o juro excessivo e qual o juro lícito que se pode cobrar pelo empréstimo de um capital devemos reparar na questão que costuma passar despercebida. E é que a usura se sustenta sobre uma aporia, consistente em aceitar que o dinheiro pode se reproduzir com a mera ajuda do tempo; e que, passado um certo tempo, quem emprestou, por exemplo, cem moedas, pode reclamar cento e dez, independente do uso que se tenha dado a essas moedas. Mas o certo é que o dinheiro é um bem consumível que não se reproduz, pelo que, como assinalava Aristóteles, os juros se tornam um modo de aquisição contrário à natureza e, portanto, devem ser reprovados.
No entanto, do mesmo modo que afirmamos que o dinheiro em si mesmo não pode se reproduzir, não é menos certo que, mediante nosso trabalho, o dinheiro pode gerar um benefício. Pensemos, por exemplo, no proprietário de um terreno que pede um empréstimo para montar um sistema de irrigação que lhe permite multiplicar por três os frutos que esse terreno lhe proporciona. Seria plenamente justo que quem emprestou o dinheiro que permitiu ao proprietário triplicar suas colheitas demande um juro; porque o que faz que um juro seja ou não legítimo não tem a ver com que seja mais ou menos alto, mas com o fato de que o capital emprestado serviu para gerar um benefício. A participação do mutuante na riqueza gerada por seu empréstimo não pode considerar-se usura; usura consiste em crer que o mero empréstimo de dinheiro dá direito a juro. Usura é a cobrança de juros sobre um empréstimo improdutivo, ou de juros superiores ao incremento de riqueza gerado por um empréstimo produtivo.
Pois nossa época se nega a estabelecer uma distinção entre empréstimos improdutivos e produtivos; e impõe a cobrança de um juro como fruto do dinheiro emprestado, independentemente de seu uso. Assim, não só escolheu o dinheiro como padrão e medida de todas as coisas, como afirma que pode se multiplicar por um passe de mágica, desligado dos bens que representa e sem intervenção do trabalho humano. Só que esta multiplicação, enquanto enriquece ilimitadamente alguns, é conseguida ao custo do empobrecimento também ilimitado de outros. Isto é o que está acontecendo em nossos dias: por isso, enquanto a propaganda nos apedreja os ouvidos repetindo que já saímos da crise e que a Espanha volta a “gerar riqueza”, você procura nos bolsos e descobre que estão cada vez mais vazios.”
(Juan Manuel de Prada, Usura)
Fonte: http://speminaliumnunquam.blogspot.com.br/2014/09/usura.html
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A cobrança de juros foi proibida pela Igreja, na Idade Média, porque naquela época, como não havia inflação, e a moeda era estável, não havia razão para cobrar juros.
Naquele tempo, quem pedia dinheiro emprestado era sempre quem precisava dele para atender a uma necessidade premente: destruição das lavouras, doenças, incêndios, etc. Não se pedia dinheiro emprestado para fazer negócios financeiros. Não se usava o dinheiro como meio para ganhar mais dinheiro. Por essas razões, cobrar juros era sempre uma exploração de uma desgraça alheia. E como não havia inflação, o dinheiro emprestado, ao ser devolvido, depois de certo tempo, não perdera nenhum valor. Continuava com o mesmo poder de aquisição. Cobrar juros então, era iníquo.
No final da Idade Média, tendo mudado as circunstâncias históricas, aparecendo a inflação, surgindo os Bancos, começou-se a usar o dinheiro como um meio para ganhar mais dinheiro, e não para atender aos efeitos de uma desgraça. O dinheiro emprestado, caso fosse devolvido depois de certo tempo, exatamente na mesma quantidade, já não seria possível comprar com ele as mesmas coisas que se comprariam, com ele, no tempo do empréstimo. Daí, nasceu a legitimidade de cobrar juros, o que a Igreja sabiamente aprovou.
Não é verdade que a Igreja, hoje, condena os juros. O que é condenável é a cobrança de juros exorbitantes, o que se chama hoje de usura, e que é crime.
O capitalismo é o liberalismo na economia. A Igreja condena o Liberalismo. No capitalismo, ainda se conservam certos direitos naturais, como a propriedade particular, que é um direito natural, que a Igreja sempre defendeu e sempre defenderá, e a liberdade de trabalho, a livre iniciativa, que também é um direito natural: cada um, pessoalmente, trabalha no que quer, quando quer, e quanto quiser.
A Igreja condena dois pontos no capitalismo:
1) A separação entre economia e moral.
Para o capitalismo liberal, desde que se tenha lucro, nada importa a moral. O que é um absurdo e um pecado, pois o fim bom não permite o uso de meios maus para obter o lucro bom.
2) A livre concorrência absoluta e sem freio, que leva à eliminação de pequenos comerciantes, destruindo a concorrência.
Quanto ao socialismo, a Igreja sempre o condenou. Pio XI ensinou que socialismo e catolicismo são termos contraditórios, e que ninguém pode ser católico e socialista, ao mesmo tempo. (Cfr. Pio XI, Encíclica Quadragésimo Anno).
In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli.
Fonte: http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=cartas&subsecao=politica&artigo=20040730092717&lang=bra
Para ler mais: http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=artigos&id=211
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Canto "Com a Usura", por Ezra Pound.
Com a usura
nenhum homem tem casa de pedra firme
de blocos bem talhados e bem lisos
Com a usura
nenhum homem tem um paraíso pintado na sua igreja
Harpes et luthes
nem sítio onde a Virgem receba a anunciação
e onde um feixe de luz jorre da ferida,
Com a usura
nenhum home vê Gonzaga os seus herdeiros e suas concubinas
nenhum quadro é pintado para durar ou viver com ele
é pintado mas é para vender, para vender depressa
Com a usura
pecado contra a natureza,
o teu pão é feito cada vez com piores farrapos
o teu pão é seco como o papel,
sem trigoda manotanha, sem bao farinha
Com a usura
o traço torna-se grosseiro
com a usura não há fronteiras
e nenhum homem pode achar um lugar para a sua casa.
O pedreiro fica longe da sua pedra
o tecelão longe do seu ofício.
Com a usura
a lã não chega aos mercados
os carneiros não ganham lã com a usura
A usura é uma peste, a usura
torna romb a agulha nas mãos da virgem
e embaraça os gestos da fiandeira.
Pietro Lombardo não veio pelo caminho da usura.
Duccio não pelo pelausura
nem Pier della Francesca; Zuan Belin' também não foi pela usura
nem foi com ela que pintaram "La Callunia".
Não foi pela usura que veio Angelico; nem Ambrogio Praedis,
Nem veio a igreja talhada em pedra asinada: Adamo me fecit
Não veio pela usura Santa Trófima
Não veio pela usura Santo Hilário,
A usura corrói o cinzel
Ela corrói a arte e o artesão
Ela enrodilha o fio no ofício
Ninguém aprende a bordar a outro seguindo o modelo dela;
O azul tem um cancro por causa da usura; o carmesim fica por bordar
A esmeralda não encontra Memling
A usura mata a criança ainda no ventre
Ela corta a carreira aos jovens
Ela leva à cama a paralisia, ela está deitada
entre a jovem desposada e o seu esposo.
Contra Naturam
Levaram prostitutas a Elêusis
Ao banquete assentam-se cadáveres
a convite da usura.
Abraços
2 comentários:
"Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário."
George Orwell
"Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador."
Eduardo Galeano
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É por isso que eu propus aquilo que chamo de "economia livre nacional ou patriota"
ResponderExcluirCada pequeno, médio ou grande empresário, comerciante e empreeendedor que se comprometerem com o próprio dinheiro manter ou ajudar a manter financeiramente escola(s), clinica(s), hospital(ais) ou curso(s) profissionalizante(s) para pessoas de baixa renda, não pagariam mais impostos.
Essas pessoas seriam quase que obrigadas e em retribuição em não pagar nada para que não tenham despesas, e não sustentarem politicos, a olhar também para o povo brasileiro.
Obvio que pessoas que tentassem ganhar dinheiro com prostituição, que aliás é exploração com o corpo dos outros, seriam impedidos por lei para não prejudicar uma sociedade vivendo em harmonia.
Para aqueles que acham que a minha ideia traria de volta o coronelismo, eu particularmente discordo. Na era da internet isso seria impossível, visto que até mesmo com um celular poderia se filmar algum abuso de algum empresário contra os seus funcionários ou até mesmo na cidade onde este tenha o seu negócio: Fora o boicote que esse empresário sofreria pela internet aos seus produtos ao ter sua imagem de pessoa inescrupulosa divulgada.
Seria cada vez mais incentivada a aparição de empresários conprometidos com os seus negócios, e claro, com o Brasil.
O poema de Pound conseguiu dar lirismo a uma excrescência. Escritores como ele divinizam o status de ser, de pensar, de sentir.
ResponderExcluirAdorável!